Psicólogo em Bariátrica para quê?
- Simone Marchesini CRP:08/0476008/04760
- 28 de jul. de 2017
- 4 min de leitura
O acompanhamento psicológico em Cirurgia Bariátrica e Metabólica é de extrema importância, talvez até mais importante que as entrevistas preparatórias para o procedimento.
Hoje contamos com inúmeras informações dadas por operados bariátricos, sites de clínicas especializadas, blogs de profissionais da área. Isso possibilita que informações que antes eram dadas em consultas e palestras sejam adquiridas por via desses meios de comunicação. Também o cenário informativo atual difere muito daquele que tínhamos há quase 24 anos atrás, quando iniciamos nossa prática e ainda tínhamos concepções titubeantes sobre os resultados do procedimento em longo prazo.
O que sabemos hoje tem mais consistência e firmeza. Foram publicados inúmeros estudos científicos e resultados em clínica mostram, com clareza, o trajeto após a cirurgia bariátrica. Transformações biológicas, hormonais, nas interações sociais, na sexualidade e tantas outras já têm teses de mestrado e doutorado em diferentes disciplinas teóricas. Sabemos que expectativas iniciais são trazidas para a realidade e que existe o período após o emagrecimento em que novas motivações devem ser buscadas. Temos conhecimento das estatísticas de cura de doenças associadas à obesidade, mas também das repercussões emocionais da flacidez de pele e da explícita necessidade de investir na manutenção dos resultados.
O diagnóstico em Psicologia se dá em dupla via. Uma de modo estritamente psiquiátrica, seguindo os critérios do Manual Estatístico e Diagnóstico de Doenças Mentais (DSM-V) para que haja diálogo com o universo médico e encaminhamento para o psiquiatra quando necessário. O outro, dentro da linha teórica seguida pelo psicólogo. Este segundo diagnóstico objetiva o tratamento em psicoterapia, a adaptação à realidade pós-operatória e a diminuição de sintomas psíquicos que venham a interferir na vida e na obesidade, sua queixa inicial.

O retorno do paciente ao psicólogo é um dos maiores desafios do profissional da Psicologia. Pacientes em cirurgia bariátrica são como aqueles que padecem de câncer. Eles querem se livrar daquilo que os faz mal e procuram o cirurgião para operar. São seres humanos com demanda médica e não sujeitos de psicoterapia. São pessoas que, num primeiro momento, não estão em busca de autoconhecimento. O vínculo é com o médico e é dele que querem a atenção, o tratamento e a cura. Embora uma grande parcela de pacientes reconheça que come por ansiedade ou que engordou devido a um episódio depressivo, a grande maioria acredita numa cura que se dê pela via oposta e unilateral: uma vez retirada a obesidade a paz interna será restituída.
Alguns percalços são enfrentados dependendo das características de cada pessoa e podem se repetir de acordo com pontos comuns: a inadaptação com a imagem corporal quando o paciente nunca foi magro; dificuldades em vestir o novo corpo que é percebido como mais jovem por apresentar mais disposição; ciúmes do cônjuge que estava adaptado a um parceiro com autoestima reduzida; exagero na sensualidade por não saber administra-la; manejo da inveja e competição de colegas que o (a) consideravam dessexualizado (a).
A inserção ou reinserção na vida social traz com ela os jogos de cortejo, desilusões amorosas, maior exposição a frustrações, maior exposição a alimentos e bebidas alcoólicas, confronto com o fato de que magros também têm problemas. A bebida alcoólica é a inimiga número um, principalmente do by-pass gástrico em Y-de-Roux, e certos hábitos alimentares já foram descritos como “engordativos” (beliscar e comer pastosos de alta densidade calórica).
Engajar em uma prática de exercícios físicos com prazer e não como castigo por estar obeso ou ter comido algo fora da dieta, faz parte da nova vida. Também é preciso entender que há dissonância entre imagem corporal e corpo: a perda de peso é sempre mais rápida que a capacidade do cérebro em formar uma nova imagem corporal.
A família é o primeiro grupo ao qual a pessoa humana pertence. O modelo relacional que têm aí acaba se repetindo nos grupos aos quais irá pertencer mais tarde.
A pessoa obesa vive sob excessivo controle sobre a alimentação e após a cirurgia, muitas vezes esse padrão se reverte para a insistência de que a pessoa se alimente mais. Surgem críticas por estar excessivamente magra. Sendo assim, o tema familiar não muda. A orientação é sempre para que se possa “normalizar” as relações, sem repetir o modelo viciado em comida e controle (modelo obsessivo).
Embora a cirurgia seja realizada em uma hora ou menos, e o emagrecimento de 40 Kg possa ocorrer em um ano, as defesas psicológicas não são abandonadas nesse mesmo tempo.
Na medida em que existem conquistas e resultados já nos primeiros meses de pós-operatório, a pessoa que se submete a um procedimento como uma cirurgia bariátrica não vê motivos para a continuidade do tratamento psicológico. Com o nutricionista, ocorre o oposto. O medo de perder os cabelos ou ficar com a pele mais flácida o motiva a comparecer nas consultas e investir em colágeno, vitaminas, sais e proteínas. O mesmo acontece com o médico, pois têm medo de que seus pontos rompam e que tenha consequências mais graves de saúde.
A Psicologia não é uma área tão mensurável como as demais da equipe multidisciplinar. Mesmo os testes psicológicos são permeados da subjetividade de quem os elaborou, do momento em que a pessoa os responde e do que a pessoa que responde supõe que é a resposta esperada. Dentro do campo da observação é possível perceber melhor manutenção dos resultados ao longo do tempo, maior compreensão da doença crônica obesidade, da responsabilidade pessoal sobre a manutenção da perda de peso, da diminuição da vitimização diante de sua condição, do empoderamento diante da doença.
Todo psicólogo que trabalha com cirurgia em obesidade deve conhecer psicopatologia, psicofarmacologia, técnicas cirúrgicas e estar preparado para ser frustrado. O trabalho com obesidade é muito similar ao trabalho com drogadição; implica em suportar recaídas, recidivas e retrocessos. Sua linguagem é diferente da dos demais da equipe, o que o deixa muitas vezes num monólogo em meio aos diálogos estabelecidos no grupo. Temos contado com inúmeras equipes em que os próprios psicólogos são operados bariátricos, o que favorece a identificação e transferência. Talvez também aí haja uma repetição do modelo dos Alcoólicos Anônimos, em que a crença se estabeleça pela experiência e a cura se dê do igual pelo igual.
Simone Marchesini
CRP:08/04760
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