Preocupações Precoces com a Forma Corporal
- Simone Marchesini CRP:08/0476008/04760
- 16 de jan. de 2019
- 3 min de leitura
Mulheres da década de 80 conviveram com medicações para perder peso como se fossem dropes de hortelã. Era moda fazer dieta, e tomar inibidores do apetite era coisa simples. Em cada esquina havia um médico endocrinologista qualificado, e na esquina seguinte um concorrente não qualificado.
Quem é dessa época lembra-se do famoso Dr. Aranha em Curitiba que atendia caracterizado como tal (vestido de homem aranha) e o tal Dr. Miguel do Paraguai que dava doses altíssimas de “boletas emagrecedoras” ao ponto de deixar a clientela maluca.
Eram fórmulas recheadas de substâncias ditas naturais perfeitamente camufladas para encobrir substâncias ativas famosas da época. Quem fez parte do grupo não se esquece do femproporex, da dietilpropiona, da fentermina, do mazindol, sem contar os hormônios da tireóide que deixavam os “zóio esbugaiado”. Tudo isso para manter a magreza, a forma física, a energia em alta, o desempenho top na academia e para alguns até a produtividade no trabalho.
Além de levarem ao emagrecimento, eram substâncias que promoviam euforia, hiperatividade física e mental, insônia, extroversão, capacidade de organização e desempenho de ginasta.
Mas nem tudo era maravilha. Bastava interromper o uso da droga e muitos voltavam ao estado anterior ao tratamento: autoestima baixa, falta de motivação, isolamento social, sonolência excessiva, baixo rendimento profissional e escolar, indecisão, e capacidade zerada para investir no autocuidado. Além disso, havia os efeitos colaterais do uso, dentre os quais a irritabilidade, agressividade, piora do comportamento explosivo. No campo emocional o choro fácil, a destemperança e a oscilação rápida do humor. Infelizmente alguns ficaram assim para sempre.
O assunto introdutório foi apenas para falar dos resultados que esta experiência deixou no corpo, na alma e na história de pessoas que fizeram parte desta época. Efeitos que passaram como que geneticamente para as gerações subsequentes. Mais precisamente nos aspectos relacionados ao próprio corpo, à alimentação e à afetividade à vida.

As mulheres da década de 80 são hoje avós. Criaram filhos e filhas obcecados com seus corpos. Permitiram em suas casas a mídia e o marketing do culto ao corpo. Submeteram-se à tirania da moda. Foram as escolhidas e os escolhidos segundo padrões rígidos de beleza e principalmente, vítimas do próprio perfeccionismo. Um ambiente de reforço muito positivo para um corportamento já instalado.
O perfeccionismo clínico tem sido descrito como um padrão obsessivo pela perfeição no qual o pensamento rígido é característico e não há espaço para perdão, perda de controle, falha ou engano. Além do acerto, a demanda é sempre de superação, destaque, elogios e medalha.
Este padrão é típico em pessoas que apresentam também baixo limiar de tolerância à frustração, pois ao mínimo sinal do que julgam erro ou falha lançam mão de gratificação imediata ou autopunição, mesmo que subjetiva.
Embora sejam pessoas de destaque, jamais relaxam dentro de si mesmas e são propensas a usarem de substâncias que afrouxem amarras como alimentação rica em carboidratos simples, doces, grandes quantidades alimentares que promovam estase gástrica e bebida alcoólica. Rompantes emocionais teriam a mesma função: alívio da excessiva tensão exercida pelos cordões da musculatura constantemente rija.
Pessoas com perfeccionismo clínico sofrem de ansiedade e vivem como que vigiadas até mesmo durante o sono. A manifestação dos seus impulsos costuma ser o momento em que a corda arrebenta, mas também o único momento de liberdade experimentado. Quisera não fosse permeado de culpa.
Quando o perfeccionismo se inicia após a puberdade, é tirada da criança a inocência, a espontaneidade e o direito ao processo criativo. Cada palavra ou ato é programado para não haver erro.
No sentido oposto a recomendação não é a exaltação do que já está sendo destacado pela natureza, mas o reforço de qualidades enfraquecidas que necessitam de promoção. Literalmente lançar luz onde antes existiam apenas trevas. É a possibilidade de tirar o foco da perfeição, romper com o padrão de acerto, maleabilizar a rigidez e permitir o desenvolvimento do frágil. Deixar ser.
O princípio da criatividade é o improviso. E quem passou pelas artes sabe bem disso. Mas improviso não acontece na rigidez, acontece apenas na ousadia da soltura. Apenas num segundo da criação momento é que necessária a disciplina, a ordem e a lapidação.
Sendo assim, deixemos que crianças sejam imperfeitas para que possam participar do processo criativo. Deixemos que errem enquanto estão no processo de mudança, pois ainda não estão no estágio de arte final. Deixemos que seus corpos sejam moleques, experimentem peripécias, se examinem e se conheçam sem culpa por estarem fora dos padrões. Deixemos a adolescência existir como transição. Sejamos críticos à fabricação de mini adultos precocemente sensualizados e sexualizados.
As mídias sociais nos quqerem lindos na foto e estudos já comprovam que nem sequer nos gostamos quando nos comparamos à nossa própria imagem editada em aplicativos. Nos artificializamos e achamos lindo. Cortamos nossa espontaneidade e achamos ótimo. Somos os elementos mantenedores da própria doença e colocamos nossas crianças nesse berço.
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