IMPULSIVIDADE, BIPOLARIDADE E CONSUMO ALIMENTAR NOS CANDIDATOS À CIRURGIA BARIÁTRICA.
- Simone Marchesini CRP:08/04760
- 5 de dez. de 2009
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A perspectiva de que o alimento exerce funções tranquilizantes e reforçadoras dos sistemas psicofisiológicos do prazer, propõe abordagem ampliada sobre a comida como possível objeto de adição. O pós-operatório, a médio e longo prazo, permite a verificação da troca de objeto de reforço do sistema de recompensa, bem como a tentativa de compensação psicofisiológica deslocado para: álcool, compras, troca de parceiros, agitação e inadequação social além de incremento da irritabilidade. Mediante tal fenômeno de observação se reforçam as hipóteses do vínculo entre a impulsividade e demais manifestações tipicamente ligadas aos diagnósticos do espectro bipolar. A busca tardia pela psicoterapia ocorre pelo medo do retorno ao padrão de apetite anterior, caracterizado pela perda do controle sobre o impulso, recuperação do peso perdido e/ou desenvolvimento de padrões adaptativos alimentares. Essas evidências incitam a pensar numa psicopatologia de base nos obesos mórbidos que necessita de tratamento e conscientização mais evidente de seus portadores.
A noção de que sentimento, afeto e humor passam por alterações constituindo sintomas e doenças como disforia, ciclotimia e transtornos afetivos surgiram no séc. XVIII. Mais tarde os chamados transtornos do humor, como depressão e mania foram responsáveis pela antiga concepção da Psicose Maníaco-Depressiva, hoje revisada em seu conceito de Espectro Bipolar. (Moreno RA; Moreno, D.H.; 2007)
Biondi et. al.(2005) após estudarem dois grupos, um com medicação e outro sem auxílio farmacológico, caracterizaram três dimensões para a depressão: a tristeza, o medo e a raiva. Desse modo, nem tudo ficava polarizado na depressão e foi possível propor uma perspectiva ampla e variada.
Akiskal e Benazzi (2005) através de estudos com pacientes unipolares ou bipolares II (hipomaníacos-depressivos) tiveram do seu total de pacientes avaliados um número de 37,4% diagnosticados como unipolares e 59,7 como bipolares, com preponderância do sintoma irritabilidade, envolvendo o elemento da raiva.

No Transtorno Bipolar II a irritabilidade marca evidência ao lado de outros sintomas hipomaníacos, entre eles: excesso de sono e ganho de peso com ativação psicomotora. Este elemento físico muitas vezes se apresenta no ato de comer incessantemente e é interpretado pelos pacientes apenas como ansiedade. Os indícios sugerem que nos períodos de transição de um estado de humor para outro haja períodos mistos, nos quais sintomas depressivos se misturam a sintomas hipomaníacos.
Mediante o uso de medicações inibidoras do apetite, principalmente os derivados de anfetamina, pacientes usuários dessas drogas sofrem efeitos estimulantes do sistema nervoso. Esses indivíduos experimentam a potencialização da irritabilidade e/ou raiva após o resultado inicial da supressão da fome e podem vir a ganhar peso, mesmo sob efeito da medicação. Anorexígenos em pessoas propensas geneticamente à aceleração mental e à hiperfuncionalidade do plano cognitivo-afetivo podem desencadear panoramas maníacos-like; nominados dessa forma pela característica de duração reduzida em dias e menor intensidade dos sintomas, mas manterem seu formato geral e desaparecerem mediante desintoxicação. O elemento comum do uso de inibidores do apetite é fato constante e coincidente nos pacientes que chegam à clínica para tratamento cirúrgico da obesidade grau III ou naqueles que buscam o Balão Intragástrico.
De acordo com Miklowitz (2001) em torno de 60% de bipolares tiveram problemas com álcool ou uso de substâncias em algum momento de suas histórias. Esse número chega a ser de 10% a 20% maior que na população geral, o que demonstra que a incidência é considerável neste grupo. A opinião convergente se dá quanto à característica da depressão que se manifesta na bipolaridade tipo II, diferenciada por hiperfagia (incremento na ingestão alimentar), hipersonia (aumento da necessidade de sono), sensação de corpo pesado e reatividade do humor; que é a capacidade de alegrar-se diante de eventos positivos e padrão de extrema sensibilidade frente à percepção de rejeição. Este tipo de depressão, chamada de depressão atípica é encontrada em taxas elevadas naqueles que são diagnosticados com bipolaridade II (Benazzi, 1999; Angst et. al. 2003; Perigi et. al., 2003).
Em 1996, para dar solução à obesidade grau III e opção de tratamento aos obesos mórbidos brasileiros, foi criada em São Paulo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, hoje Bariátrica e Metabólica. Tendo em vista a determinação da Organização Mundial da Saúde de que a obesidade é doença causadora de outras doenças (IMC=40 kg/m2 ou IMC=35 kg/m2 com presença de doenças associadas), as equipes de tratamento cirúrgico passaram a se estruturar. Em julho de 2005, a determinação da obrigatoriedade de uma equipe multidisciplinar com a presença de um psicólogo e/ou psiquiatra, demarcou a plena necessidade da avaliação da condição psíquica do paciente e aprovação do profissional da área da saúde mental para que a cirurgia da obesidade se realizasse. Mediante tal determinação não haveria mais como negar que a cirurgia para tratamento da obesidade era ao mesmo tempo uma chance de vida nova para esses indivíduos, mas implicava em uma série de renúncias e mudanças no modus vivendi desses pacientes, bem como na capacidade de enfrentamento de novas experiências relacionais e transformações nos vínculos antes estruturados de modo disfuncional. Estudos longitudinais que comparam pacientes clinicamente tratados e pacientes submetidos a cirurgias bariátricas mostram que ao longo de dois anos ocorre melhora da psicopatologia associada ao quadro geral da obesidade, o que sustenta o trabalho do psicólogo na área multidisciplinar deste setor médico. (Karlsson; Sjöstróm; Sullivan, 1998).
Os obesos, de modo geral, se diferenciam pelo padrão alimentar que vão mais tarde determinar a possibilidade de recuperação de peso em médio e longo prazo. A sensação de descontrole sobre o impulso alimentar é típico dos transtornos do comportamento/hábito alimentar, bem como de outros hábitos que poderão vir a se reapresentar de formas variáveis, mas sempre com o mesmo mecanismo de base. No que tange à consistência do alimento, a ingestão de pastosos de fácil digestão permite quantidades superiores em pequenos intervalos de tempo, pois ocorre o esvaziamento rápido do estômago. No que concerne ao número de refeições, o grazing (pastar) i.e., comer ao longo do dia alimentos calóricos de pequeno volume, permite roer e mastigar constantemente mantendo o indivíduo sempre ocupado com a atividade alimentar.
Os indivíduos com obesidade superior ao IMC=40 kg/m2 ou abaixo de 35 kg/m2, demandam respectivamente maior acessoria nutricional e assistência psicológica e/ou psiquiátrica. Os índices desse intervalo entre 35 a 40 são em geral tratados com o método misto (Fobi-Capella), considerado padrão ouro no Brasil e variam a demanda conforme o caso e não de acordo com a técnica. Abaixo de 35 kg/m2 o balão intragástrico tem ocupado um papel de alternativa para o uso de anorexígenos e vem sendo considerado método preparatório para a cirurgia de cunho mais invasivo. Como recurso não cirúrgico, o balão necessita de maior auxílio da psicofarmacologia para possível bloqueio do impulso e da compulsão de comer. A obesidade mais pronunciada e resistente apresenta melhores resultados ao método Duodenal-Switch. Este tipo de operação permite maior ingestão alimentar, com percentual de emagrecimento em níveis ótimos sem padrões dietéticos restritivos quantitativos. O canal para a impulsividade do paciente permanece aberto e permite a descarga em seu objeto de origem: a comida.
REFERÊNCIAS
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Castle, Lana R., (2007) Duas Faces de Uma Vida. Uma Incursão na Vida de Uma Bipolar. Editora Melhoramentos. São Paulo
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Ghaderi, A., Lapidoth, J., Norring, C. (2008). A Comparison of Eating Disorders among Patients Receiving Surgical v s Non-Surgical Weight-loss Treatments. Obs Sur
(2008)18: 715-720
Goodwin, F., Jamison, K. (2007) Manic-Depressive Illness. Bipolar Disorders and Recurrent Depression. Second Edition, Oxford University Press. New York
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Franques, Aída R.M., Loli, Maria Salete A. (organizadoras) (2006). Contribuições da Psicologia na Cirurgia da Obesidade. Editora Vetor. São Paulo.
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Herculano-Houzel, Suzana. (2003) 2ª Edição. Sexo, Drogas, Rock’n’roll e Chocolate. O Cérebro e os Prazeres da Vida Cotidiana. Rio de Janeiro.
Miklowitz, David J. (2002). The Bipolar Disorder Survival Guide. What You and Your Family Need to Know. The Guilford Press. New York
Moreno, Ricardo A., Moreno, Doris H. (coordenadores). (2005) Da Psicose Maníaco-Depressiva ao Espectro Bipolar. Segmentofarma. São Paulo
Tung, Teng C. (2007) Enigma Bipolar. Conseqüências, Diagnóstico e Tratamento do Transtorno Bipolar. MG Editores. São Paulo
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