NÃO QUERO IR AO PSICÓLOGO DEPOIS DE OPERAR O ESTÔMAGO.
- Simone D. Marchesini
- 18 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de set. de 2020

O QUE A VIDA NÃO NOS DÁ, TEMOS QUE CONSTRUIR. Uma realidade da vida que vai se descortinando aos poucos conforme a maturidade chega é que a vida dá a cada um uma parcela. Cabe a cada qual construir o resto.
O sentimento de injustiça diante das diferenças faz com que haja revolta e nem sempre este sentimento favorece a construção daquilo que é necessário. Ao contrário, gera mágoas e incompreensão, exatamente como na metáfora bíblica de Caim e Abel. Foi pela diferença de tratamento estabelecida pelo Pai e através do sentimento de injustiça que o ódio fez um irmão matar o outro.
As diferenças corporais e particularidades da saúde mexem demasiadamente com a potência humana e com sua noção de autonomia e poder. Ser saudável e belo foi durante eras, igualado a ser perfeito. Também foi atribuída ao Estado a responsabilidade de prover a saúde e o bem-estar de seus cidadãos. Nesse sentido, a saúde, ao lado da beleza, do bem-estar e da qualidade de vida passou a ser vista como direito e sem nenhuma parcela de dever.
Quando tratamos da alimentação saudável, entramos numa seara delicada. Estamos falando de educação e cultura alimentar de uma população, de invasão de produtos industrializados insalubres, de marketing enganoso, de ganho financeiro sobre a doença alheia e sobre a falta de consciência de cada um sobre seu próprio corpo. São aprendizagens e heranças passadas de geração em geração e que atribuem ao consumidor e ao aprendiz um papel passivo.
Conquistar um corpo saudável ou mantê-lo em equilíbrio exige esforço. Exige também aprendizagem e treinamento. Requer a continência e suporte internos para investir esforço psicológico, persistir e suportar a espera dos resultados. Solicita do indivíduo o conhecimento já adquirido, mas que “sem efeito e resultado” e por “não favorecer à gratificação”, ele não faz.
Neste grupo entra o tratamento psicológico, que muito mais do que uma coisa para quem tem problema mental, é uma construção daquilo que não foi dado prontamente pela vida. As Psicoterapias, de modo geral, têm em seu cerne o desenvolvimento psíquico, o crescimento pessoal interno, o alcance das próprias potencialidades, a compreensão mais madura dos processos e acontecimentos da vida e a melhoria das relações humanas como materiais de trabalho.
Quando uma pessoa com problemas relacionados à saúde, ao corpo, à alimentação, ao ato alimentar, aos limites físicos impostos pelo excesso de peso chega com a demanda de uma cirurgia para emagrecer, é sabido de antemão que seu desejo é libertar-se desta condição que a perturba. Sua expectativa é libertar-se disso que a incomoda, como em qualquer outro procedimento.
Um dente que necessite de tratamento é exposto ao dentista, e após passar pelo procedimento exige medicação adequada. Findado o tratamento a rotina volta ao normal. Assim também um tumor maligno, pois tratamentos cirúrgicos costumam ser invasivos certeiros e resolutivos.
É peculiaridade dos tratamentos clínicos a demora, a continuidade, a insistência, o resultado que desaparece com o fim da terapêutica. Mas isso não acontece com a obesidade. Ela é uma doença crônica e sistêmica. Envolve o Sistema Nervoso Entérico, mexe com o eixo entre a microbiota do intestino e os mecanismos cerebrais. Também altera funcionamento de hormônios, acumula gordura nas vísceras e inflama o cérebro. Ela deixa sequelas, causa traumas e pode voltar. A cirurgia da obesidade é uma parte do tratamento: a mais rápido e gratificante.
É claro que outras etapas são mais bem aceitas como o exercício físico para desenvolver músculos e a nutrição para não perder os cabelos. Afinal são fatores à mostra. Mas quando se trata de saúde mental, é ÍNTIMO DEMAIS, É PROFUNDO DEMAIS, e, portanto, não aparece. QUEM SABERÁ?
Cada um sabe de si e sabe o quanto quer pagar para ser quem é. Só se submete a psicoterapia quem deseja. No entanto, é papel do profissional psicólogo alertar incessantemente sobre as repercussões após a cirurgia bariátrica.
Espero ter contribuído para mais uma reflexão nesse sentido e também para a compreensão da Psicologia em Bariátrica.
Simone Marchesini
CRP08/04760
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