Entrevista Avaliativa para Cirurgia da Obesidade.
- Simone Marchesini CRP:08/04760
- 11 de mar. de 2017
- 9 min de leitura

Em 1991, o Instituto Nacional de Saúde americano (NIH) recomendou que duas cirurgias eletivas tivessem aprovação de um psicólogo antes da cirurgia. Eram elas: a cirurgia de redesignação sexual e a cirurgia bariátrica. A técnica do by-pass gástrico com derivação em Y-de Roux era considerada a única cirurgia bariátrica disponível, e até então irreversível (1) .
Tanto a redesignação (mudança de sexo) quanto a cirurgia bariátrica (para perda de peso) envolvem mudanças que tocam no conceito que a própria pessoa faz de si, no modo como se apresenta à sociedade e se mostra aos grupos aos quais pertence. Mudar-se de obeso para magro, assim como mudar a identidade de gênero interfere na maneira que a sociedade responde ao indivíduo. Ao abordar aspectos tão íntimos da formação da personalidade e que remontam à infância e adolescência de uma pessoa, é que foram levados em conta que entrevistas psicológicas e preparo emocional são necessários para a liberação das referidas cirurgias.
Com a posterior descoberta de que a cirurgia bariátrica influencia também hormônios gástricos e têm importantes repercussões endócrinos e nutricionais, houve a necessidade de de avaliações mais consistentes e levantamentos das reais expectativas do paciente frente ao procedimento.
As avaliações psicológicas passaram a ter outro formato com o passar do tempo. Primeiramente porquê provou-se a reversibilidade do método cirúrgico em questão (by-pass gástrico), e em segundo lugar porque o próprio paciente incorria em reganho de peso e resgate da imagem obesa. Nem tudo era tão irreversível.
Os convênios médicos passaram a ter interesses no trabalho do psicólogo, mas no intuito de que pudesse prever quem viria a ter reganho de peso. Dispenderiam menor quantidade de finanças operando apenas aqueles que não teriam reganho de peso e recidiva da doença obesidade.
Atualmente, existe a defesa de que a cirurgia bariátrica e metabólica seja realizada não apenas para as obesidades grau II e III, mas para prevenção da obesidade severa em pessoas com genética familiar. Para pacientes que apresentam Diabetes Tipo II há a defesa de que se dispense a avaliação Psicológica sob a justificativa de que as questões relevantes seriam de ordem puramente médicas de uma cirurgia metabólica.
Da perspectiva psicológica, porém, o sucesso em cirurgia bariátrica é expresso para além da perda de peso com remissão ou alívio das comorbidades. Esse olhar é limitado e unilateral. É importante observar o impacto da cirurgia sobre a saúde mental da pessoa e levar em conta o conceito de bem-estar geral e saúde global do paciente.
Estudos relatam que pessoas extremamente obesas são quase cinco vezes mais propensas, do que os de peso médio, a terem sofrido de um episódio depressivo no ano anterior à cirurgia. (2)
A correlação entre Depressão e Obesidade é multifatorial, mas ambas são hoje concebidas como doenças inflamatórias. Dos pacientes operados bariátricos, 25-30% relatam sintomas depressivos no momento da cirurgia e até 50% relata história de depressão em algum momento de sua história.
Dentre os quadros de psicopatologia mais presentes, os mais prevalentes são a Depressão, o Transtorno Compulsivo de Comer, a Ansiedade, Transtornos de Personalidade, Transtorno de Uso de Substâncias, Transtorno de Stress Pós Traumático e Casos de Psicose. Um sintoma descrito com frequência, com ou sem sintomas de psicose, é a ideação suicida, típica da Depressão e de Transtornos Bipolares do Humor(3)
A análise do humor do candidato à cirurgia bariátrica é importante, na medida em que este aspecto interfere diretamente sobre os sentimentos, motivação, pensamentos (cognição), senso de valor e autoestima, energia (sono/vigília), atenção e memória de cada pessoa. A adesão ao tratamento e a disposição para seguir recomendações comportamentais dependem dessa disposição do humor.
No transcorrer do emagrecimento e manutenção dos resultados obtidos em cirurgia bariátrica, destacam-se de modo simples 6 momentos existenciais. Esse caminho não é reto, mas repleto de subidas e decidas, curvas e paradas. Todos, pacientes e equipe devem estar preparados para essa caminhada intensa.
O Preparo.
A cirurgia.
O pós-operatório imediato.
O peso estacionado.
A busca do equilíbrio corpo/mente.
A realidade da vida.
1-O Preparo
O preparo para a cirurgia bariátrica envolve múltiplas consultas com vários especialistas da área. A ideia é o cuidado da pessoa em sua integralidade para que possa ir à mesa de cirurgia o mais protegido possível. Todos os riscos devem ser, na medida do possível, previstos.
A preocupação cada vez maior com questões psicológicas e nutricionais vêm do fato de que a operação se tornou cada vez mais segura e menos invasiva. Podendo assim o foco deslocar-se dos riscos do centro cirúrgico.
Regras que serão usadas por toda uma vida bariátrica podem ser introduzidas no pré-operatório. O foco é minimizar o impacto da mudança de vida e introduzir na rotina das pessoas o que há de novo de modo progressivo. Sendo assim, cortes básicos na alimentação e a introdução do fracionamento alimentar são bem vindos. Restrição de refrigerantes, do consumo de bebidas alcoólicas, substituição da farinha branca e troca do açúcar por edulcorantes são medidas que introduzem a pessoa na nova realidade.
A mastigação, principal exercício físico do indivíduo bariátrico ao longo da vida, pode ser treinada no pré-operatório. A visita ao dentista também é eficaz neste período, bem como informações sobre como a digestão se inicia na boca. O uso da ampulheta para ritmar a refeição, pode ser instrumento auxiliar e lúdico num momento inicial.
Testes psicológicos que avaliam ansiedade, depressão, relação com a alimentação, com a imagem e esquema corporais e nível de qualidade de vida ajudam o psicólogo na confirmação clínica de dados obtidos na entrevista e observação de sua prática.
Além disso, informações e dissolução de ideias distorcidas podem ser a chave do alívio de muitas ansiedades provenientes de informações erradas, ou mesmo fantasias criadas em torno da cirurgia, anestesia e pós-operatório.
Um bom preparo vale a pena. É a chance de tratar aquela depressão que maltrata e que por vezes faz piorar todo o resultado do trajeto a seguir.
2-A Cirurgia
No dia da cirurgia a possibilidade do medo ocorrer e haver desistência é rara. Em geral quem chegou até aqui é porque desejou muito estar ocupando este espaço, nesse tempo. Mas existem casos de medos desesperadores que invadem as pessoa. São temores ligados ao medo de “nunca mais poder comer”; “não poder mais beber” , “achar que não vai dar conta” e “medo de morrer”.
Todas essas sentenças estão baseadas no medo da mudança, que de algum modo, se referem ao ato de humildade. Mudar é admitir o erro. É admitir que até então se estava vivendo do jeito errado. Não há verdade para ser dono.
A partir da cirurgia é preciso ter humildade e deixar que o outro determine COMO VAI FAZER. Por seis meses profissionais vão mandar no que você come, bebe e como deve se portar em termos de hábitos tão básicos como o prazer alimentar. É preciso ser paciente.
3-O pós-operatório imediato
“Meu Deus, o que eu fui fazer?!” –No que se refere ao tamanho do estomago, a irreversibilidade da cirurgia (naquele momento) afeta muito a cabeça do operado nos primeiros dois meses. Tomar líquidos, comer papinha, treinar o novo volume alimentar é como se ver com um bebê amado, mas ao mesmo tempo com a vida toda mudada e a rotina transtornada. Não dá para devolver a criança, assim como não dá para desfazer a cirurgia.
É um período de adaptação ao novo, de reconhecimento, de estranhamento, de erros e acertos e de pedir ajuda àqueles que sabem mais.
Hora de enfiar a cara no travesseiro e gritar e hora de sair e mostrar o que está ficando lindo. É a convivência do novo que está surgindo aos poucos e do abandono do velho, que se despede.
4-O peso estaciona (platô)

Em torno do oitavo mês o organismo estaciona a perda, tentando se proteger. É natural que ele registre a carência nutricional e por medidas de segurança tente reservar o que lhe sobra de estoque. Se fosse uma outra dieta restritiva qualquer, aqui seria o ponto de risco para largar tudo e voltar a comer. O método cirúrgico protege a pessoa porque mantém o estomago pequeno, mesmo após a introdução do açúcar após o 6 o mês de cirurgia. Para alguns o desafio começa já aos seis meses com o desejo provocado pelo doce. Desejo que parece insaciável e que evolui para a sensação de fracasso até o 8o mês, quando o peso para de descer.
Mas essa parada é natural. É da sobrevivência da máquina. É sua programação de garantia.
Pessoas que ficam soterradas e sobrevivem só conseguem manter a vida por causa dessa maravilhosa capacidade do corpo humano de fazer estoque de energia. Somos todos sobreviventes! Hoje, com o excesso de fornecimento alimentar, porém, estamos estocando mais do que necessitamos.
Cada vez que for se alimentar, pense em quanto já tem de reserva no seu corpo e avalie se realmente necessita de todo o montante que está servindo no seu prato.
5-Busca do equilíbrio Corpo/Mente
Corpo e mente formam um todo que somente é separado para que possam ser estudados com maior profundidade. Infelizmente, estão sendo estudados, mas não foram ainda juntados para formar o todo novamente. Um não funciona sem o outro. Doença mental é doença do corpo, assim como doença do corpo é também mental.
Quando uma pessoa engorda drasticamente ela fica psiquicamente e socialmente doente. A autoestima decresce e há desprezo social.
Mas vamos pensar numa pessoa que em 10 a 12 meses se transforma em alguém magro, que fica com a autoestima elevada e passa a ser socialmente aprovada. O que acontece socialmente? Será que uma aprovação tão repentina também não pode ser provocadora de doença num outro extremo?
Sim, a cirurgia para a obesidade pode ter um efeito euforizante sobre certos tipos de personalidade e pode afetar o indivíduo impulsionando-o para cima de modo prejudicial.
O alto astral nem sempre é positivo. Ele só é positivo quando há teto que de suporte. Li uma vez num carro um adesivo que dizia: “Nunca voe mais alto que seu anjo da guarda”. Fantástico!! Isso mesmo!
Quando o bariátrico voa mais alto que seu anjo ele adoece. Quando desce mais baixo que seu diabinho, também.
Também no corpo e no peso essas figuras aparecem, pois têm reflexos concretizados no físico. Ninguém adoece só na mente.
6-A Realidade da vida.
A vida real não é conto de fadas nem novela. Ela é o que a gente vive no dia-a-dia, sem marketing, chamada ou jingle. Nessa vida real pessoas têm problemas, sejam elas, obesas, altas, brancas, afrodescendentes, cristãs, muçulmanas etc.
Seres humanos tendem a achar que o seu problema é sempre o pior. Afinal de contas, é o seu. Certo? Outro ponto é que há a tendência natural de procurar uma causa externa para o problema. Se a criança bate a cabeça na mesa, a mesa é feia. Se estamos estressados é por causa do trabalho. Se comemos é por causa do estresse.
Quando são questionados sobre o tratamento da ansiedade, mais de 50% dos entrevistados bariátricos dizem que nunca a trataram, mesmo que atribuam o ganho de peso à essa ansiedade. A definição popular de ansiedade é muito nebulosa. Ela é um pacote onde as pessoas colocam todo tipo de nervoso. Há também aprendizagem social e familiar de que comer acalma, sendo que existe um condicionamento que pode ser desmanchado.
O que parece é que existe preconceito com a obesidade, mas o preconceito com os males da existência são bem maiores. Além disso, o operado convive com "a presença da ausência": a sobra de pele que sempre o faz recordar que foi obeso; as cicatrizes das plásticas que o fazem recordar das sobras de pele. Importante lembrar que a pele é parte do tubo neural e cheio de história.
Procurar um psicólogo ainda é visto como ato de fraqueza e incapacidade, e procurar um psiquiatra como estado de loucura.
É fato que o reganho de peso está ligado a casos de ansiedade, comer rápido, indisciplina, tentativa de forçar entrada de comida, teimosia e lógico, alargamento da anastomose (junção do novo estomago com o intestino). Existem mecanismos endócrinos envolvidos que não podem ser negados, mas não se pode ficar refém do que é dado.
Cuidar do ser inteiro parece ser a saída. Que tal a proposta?
Simone Marchesini
CRP:08/04760
(1)The pros of pre-bariatric surgery psychological interview
(2) Dawes, A. J., Maggard-Gibbons, M., Maher, A.R., e col.(2016) Mental Health Conditions Among Patients Seeking and Undergoing Bariatric Surgery A Meta-analysis JAMA. 2016;315(2):150-163. doi:10.1001/jama.2015.18118
(3) Sjostrom, L. (2013). Review of the key results from the Swedish Obese Subjects (SOS) trial - a prospective controlled intervention study of bariatric surgery. J Intern Med, 273(3), 219-234. doi: 10.1111/joim.12012
(4) Buchwald, H. (2002). A Bariartic Surgery Algorith. Obesity Surgery, 12, 733-746. , 2010;
(5)Wimmelmann, C. L., Dela, F., & Mortensen, E. L. (2014). Psychological predictors of weight loss after bariatric surgery: a review of the recent research. Obes Res Clin Pract, 8(4), e299-313. doi: 10.1016/j.orcp.2013.09.003
(6) Berman, D.(2013). Concerns about Psychological Evaluations for Bariatric Surgery Patients. Bariatric Times. 2013;10(9):24–25
(7) Vilallonga, R , Himpens, J , van de Vrande, S. Long-Term (7 Years) Follow-Up of Roux-en-Y Gastric Bypass on Obese Adolescent Patients (<18 Years) Obes Facts 2016;9:91–100 DOI: 10.1159/000442758
(8) Forman, E M, Herbert, J D (2009) New directions in cognitive behavior therapy: acceptance-based therapies. General principles and empirically supported techniques of cognitive behavior therapy. 2009:77- 101.
(9)Ramalho,S , Bastos,A P, Silva, C , Vaz, A R , Brandão, I , Machado, P P , Conceição (2015) Excessive Skin and Sexual Function: Relationship with Psychological Variables and Weight Regain in Women After Bariatric Surgery ObesSurg Doi 10.1007/s11695-014-1514-5
(10)van Hout, G. C. M. , Leibbrandt, A. J. , Jakimowicz,J. J., Smulders,J.F. , Schoon, E.J. van Spreeuwel,J.P. van Heck, G. L. (2003) Bariatric surgery and bariatric psychology:general overview and the Dutch approach Obesity Surgery,2003; 13: 926-931
Comments