VOCÊ JÁ SENTIU FOME?
- Simone D. Marchesini
- 21 de mai. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de mar. de 2020
A alimentação impulsionada pela emoção não é dirigida pela fome de nutrientes ou por necessidades nutricionais. Esse tipo de alimentação ocorre sem a menor consciência do ato que está sendo praticado. O único foco do comer emocional, que funciona no piloto automático, é gratificar com prazer o desejo por algo bom e rápido.
O estado automático da consciência ocorre corriqueiramente na vida, e é notório quando a consciência não é chamada a focar a atenção naquilo que está sendo executado. Exemplo simples é toda e qualquer habilidade que o sujeito julgue já estar treinado suficientemente, como dirigir. Então, ele se permite dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo.
Quando o assunto é comer, não há o que discutir. Essa é uma habilidade treinada desde a mais tenra infância. Sendo assim, todos se permitem comer e fazer múltiplas outras coisas ao mesmo tempo. Mas inevitavelmente a habilidade mais treinada ficará em segundo plano, automatizada e guiada pelo piloto automático.
Um crime passional é aquele em que a emoção toma conta do sujeito e ele perde sua capacidade de raciocínio, deixando-se então levar pela emoção mais impulsiva e primitiva, pois não está de posse de suas funções mais desenvolvidas de controle. O comer passional ocorre da mesma maneira, pelo enfraquecimento da capacidade de raciocinar e ponderar antes de agir.
Quanto mais repetido é um comportamento, mais as vias nervosas marcam os caminhos percorridos pelos circuitos utilizados por ele. É como o caminho aberto na mata que é muitas vezes usado, abre uma via e depois se transforma em rua e estrada.
Outro modo de acionar o piloto automático alimentar é usar o foco no alimento para desfocar de emoções ruins que tomam conta de momentos, e parecem ser insuportáveis.
Seja para compensar um desprazer, desfocar de uma emoção ruim ou pela emergência de gratificar um impulso de satisfação, quando o freio não funciona é porque ele estava em segundo plano e pouco funcional.

Utilizar-se de alimentos altamente palatáveis, ricos em gorduras e/ou açúcares para lidar com emoções, pode facilitar fazer uma enxurrada de vias neurais se tornarem ativas para esse comportamento, diante dos desconfortos emocionais.
É assim que se dá a automatização dos comportamentos, e quanto mais se dá a repetição, mais fortalecido o comportamento em questão.
Despertar a consciência e acender o foco para a própria atitude, de forma decidida e decisiva, permite a criação de novos caminhos neurais. E foi deste dom da aprendizagem e neuroplasticidade que a psicologia viu a continuidade de seu trabalho ao longo desses anos.
Focar a atenção no ato de comer, mordida a mordida, sabor a sabor, cheiro e som é um modo de se manter presente e inteiro no ato alimentar sem perder um segundo qualquer da experiência. Trata-se de não ficar em estado dormente enquanto está comendo. Prestar atenção à fome, ao tipo de fome, ao paladar, aos sentimentos e aos pensamentos, sem perder o sabor.
Comer é mais que um ato, é uma experiência sensorial rica e única a cada nova refeição. Com a consciência aberta torna-se possível fazer escolhas e tomar decisões menos guiadas por impulsos ou emoções. É muito diferente de fazer dieta e está muito longe de restringir um tipo ou outro de alimento.
Jan Chozen Bays, uma pediatra e praticante do budismo, foi responsável por desmembrar a fome em nove tipos. Ela auxiliou na percepção das sutilezas do desejo de comer, da fome emocional, dos estímulos olfativos, visuais, celulares e saudosistas que podem conduzir ao comer.
Perceber sinais de fome e saciedade e notar mensagens corporais, afetivas e detonadas pela memória permite a detecção de medos, ansiedades e estressores.
Respostas ao stress exigem que nosso organismo esteja em alerta e pronto para a luta ou a fuga. A atenção está menos dentro do que naquilo que julgamos ser a ameaça. O stress em si abre o apetite, pois instintivamente é preciso glicose para energizar o organismo para a pronta reação às ameaças. Uma das fugas adaptativas é o conforto via alimento para alívio do stress: um consolo pelo esforço e desgaste.
Primeiro passo para monitorar qualquer comportamento que seja foco de mudança é: RESPIRE!
Pessoas que levam um susto ou estão em estado de pânico costumam inspirar e prender o ar. Elas ficam com o pulmão cheio, o diafragma contraído e a sensação de que estão sem ar. A expiração só se completa com a exalação do ar, em que o relaxamento necessário.
O segundo passo é entrar com o lado racional da mente capaz de estabelecer um diálogo consigo mesma. Pergunte-se: Quem dentro de mim está com fome? É este lado que está com fome? É de comida que necessita ou é outro tipo de energia?
O terceiro passo é alimentar mansamente seu lado faminto, com consciência, gentileza e acolhimento, pois quanto mais faminto mais animalesco. Já é reconhecida pela ciência comportamental que a privação leva à compulsão. Mas vá com calma e com alma.
O quarto passo é o respeito pelos próprios limites. Se já foram reconhecidas vias neurais responsáveis pela aprendizagem, não vamos facilitar reforçando aprendizagens que queremos enfraquecer. Então, nada de ficar se expondo muito e testando força de vontade. Aos poucos sentirá que comer com carinho e consciência, faz com que a quantidade não tenha tanta importância. Terá a experiência do máximo do prazer com o mínimo de estímulos, pois sua atenção será o canal amplificador da experiência. Assim, estímulos que hoje ameaçam, amanhã serão neutros. Pode acreditar!
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