A leitura deturpada do agora.
- Simone D. Marchesini
- 19 de ago. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de set. de 2021

O momento presente e seu cultivo não tem nada de novo. Além de ser objeto do Budismo e outras culturas orientais é parte de técnicas de controle do stress. Foco de algumas psicoterapias como a Gestalterapia, seu principal objetivo é colocar o ser humano em sua realidade mais concreta: dentro de si.
Com o momento presente, somos obrigados a estar dentro do corpo e sermos menos mentais. Dentro da própria casa, isto é, nosso próprio corpo, nos materializamos nas sensações e somos capazes de experimentar a vida como ela ocorre agora.
Mas, ao contrário do que pregam algumas mensagens, isso nada tem da cultura da inconsequência. Viver o momento presente não significa entregar-se aos prazeres sensoriais sem se preocupar com as repercussões que isso poderá causar. Isso seria infringir uma das principais leis da vida que prega a causalidade e nos imputa responsabilidade sobre os próprios atos.
Estar presente e encorporando a própria matéria é justamente ao contrário: é poder ter consciência momento a momento de cada experiência, de tal forma que sensações e emoções não dominem o corpo, mas possam estar em sintonia com ele; sem vitimiza-lo.
Quando danço tomado pela emoção, meu corpo de mexe de tal forma que perco meus limites, como numa embriaguês. Deste modo fico suscetível a lesões e contusões. Fico presa do irracional em convulsões dionisíacas.
Quando danço com presença e consciência plena, tenho noção de cada músculo do meu corpo e de suas sensações, bem como do jogo de forças opostas e complementares que faz para manter seu equilíbrio. Sinto cada movimento inteiramente sem me perder neles. São dois modos distintos de operar o movimento dançante.
Assim como no exemplo do movimento e da dança, comer, falar e se relacionar se processam da mesma forma. Somos capazes de nos entregarmos como um pano numa máquina de lavar, que é jogado para qualquer lado. Mas somos também capazes de sermos a máquina e o pano em sua totalidade.
Tudo o que precisamos é a capacidade de observar, contemplar e atentar. Palavras quase que equivalentes para definir o processo de voltar o olhar para nossos próprios atos. O primeiro deles o treinamento de olhar para o processo de pensar. Talvez o mais difícil e também o mais básico.
O exemplo mais batido, mas também mais perfeito para ilustrar esse processo é entender os pensamentos como nuvens que passam pelo céu em fluxo e velocidade diferentes. As nuvens passam , mas o céu permanece. O foco é o céu. Assim também a consciência não se perde, embora o pensamento possa ser abandonado.
A importância de processos como esses é o confronto com os conceitos de permanência e impermanência; conceitos que permeiam o dia-a-dia. O envelhecimento, as limitações físicas ou psíquicas, os ganhos e perdas de cargos e títulos, relacionamentos e laços afetivos. Tudo envolve uma parte que permanece e outra que se dissolve, como a consciência e o pensamento ou como o céu e suas nuvens.
Simone Marchesini
CRP 08/04760
agosto 2019
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